Começo este artigo com uma citação de Edward Albee, no Advice to Writers:
If you are going to learn from other writers don’t only read the great ones, because if you do that you’ll get so filled with despair and the fear that you’ll never be able to do anywhere near as well as they did that you’ll stop writing. I recommend that you read a lot of bad stuff, too. It’s very encouraging. “Hey, I can do so much better than this.” Read the greatest stuff but read the stuff that isn’t so great, too. Great stuff is very discouraging.
Se você for aprender de outros escritores, não leia apenas os grandes, porque se você o fizer se tornará tão cheio de aflição e medo de não ser capaz de chegar nem perto do que eles fizeram que você parará de escrever. Eu recomendo que você leia muita coisa ruim, também. É muito encorajador. “Hey, eu consigo fazer muito melhor que isso.” Leia as melhores coisas, mas leia aquelas que não são tão boas também. Os melhores são desencorajadores.”
Um dos privilégios da posição de editor é ver as versões antes da publicação final. Tanto de escritores iniciantes quanto de gente com histórico de publicações. É tão raro um autor acertar na mosca que sempre existe algum polimento final antes do texto ir para a revista. Fazer esse trabalho é bastante iluminador.
Porque você precisa dar o seu melhor, sim. Mas você não vai conseguir ser perfeito, isso sem pensar que cada um prefere puxar o texto para um lado. O que você lê geralmente é o resultado desse cabo de guerra, uma “seleção natural” dos melhores trechos.
Então esta é a primeira coisa que aprendi: A história não está pronta quando chega a um editor.
Saber disso pode ser encorajador. Às vezes você já fez o seu melhor naquele texto, só precisa de uma opinião profissional externa.
Boas histórias sempre têm algo a mais
É difícil definir o que é esse “algo a mais”, ele varia de conto para conto. Pode ser um trabalho incrível na linguagem, um poema em prosa, imagens provocantes que grudam na memória, um roteiro paralelo construído nas entrelinhas. Às vezes esse algo a mais pode ser o jeito com que duas situações diferentes são costuradas, ligando dilemas aparentemente diferentes. Ou uma relação sutil com o mundo real, uma metáfora pouco óbvia que olhos mais atentos conseguem captar.
Eu posso dizer o que não é esse algo a mais: algo inserido na história artificialmente, como uma “moral da história”, um trecho lindamente escrito que não faz parte da narrativa ou uma situação forçada sobre a cabeça do herói. Isso não funciona.
Esse “algo a mais” brota de dentro da narrativa, uma emoção, um cuidado. Muitos contos são bem escritos, mas acabam rejeitados porque chego ao final e “tá, e aí?” Não, o conto precisa terminar diferente, o leitor precisa se importar com aquela situação, aquela trama, aqueles dilemas. Leitura boa é aquela que a gente chega ao final e solta o ar, que nem percebemos que estávamos guardando desde aquela virada nas últimas páginas.
Tentar imitar o estilo de escrita de alguém só vai levar você até a metade do caminho. No máximo.
Parem de tentar imitar Lovecraft e Poe. Apenas parem. Sério.
Ninguém consegue escrever uma história “tipo Lovecraft” tão bem quanto o próprio. Imitações são ruins porque são limitantes. Existe um potencial em cada autor, sua própria vivência, suas próprias leituras, seu próprio mundo. É daí que brota a força e a autenticidade de um escritor. Quanto mais cedo você começar a desenvolver sua própria voz narrativa, mais cedo você estará escrevendo com muito mais força.
Escritores são legais. Aliás, a maioria das pessoas são legais. Elas querem ser publicadas, lidas, e fazer amigos.
Quando comecei a Trasgo, eu tinha receio de entrar em contato com escritores e convidá-los a mandar um conto para a Trasgo. Ou em falar com ilustradores. Veja bem, eu sou apenas um rapaz latinoamericano sem dinheiro no bolso entrando em contato com autores para dizer “oi, posso publicar seu conto de graça?” ou “oi, você é um ilustrador tão bom, faz um desenho para a capa da minha revista?”
Claro que há o profissionalismo no contato que faço com autores e ilustradores, mas nas primeiras quatro revistas ninguém recebia nada. Nas próximas quatro o lucro com cada edição é tão baixo que não paga nem a energia elétrica para escrever um conto. Não estou reclamando, o objetivo é o contrário.
É mostrar que eu descobri que a maioria dos escritores quer sim ganhar dinheiro com sua produção, mas entende os dramas do mercado e está aberto a ajudar em iniciativas que estimulem o mercado e a produção nacional, como a Trasgo. A revista também me abriu portas para conhecer pessoas incríveis de todo o Brasil. Escritores são legais. Um pouco tímidos, é verdade, mas de bom coração.
Ficção Científica e Fantasia contam histórias sobre ser humano.
Ok, isso não descobri com a Trasgo. O que acho incrível é como alguns autores ainda não enxergam isso. Quando falei sobre aquele “algo a mais” ali em cima, ele está sempre ligado ao elemento humano. Ok, talvez haja um pequeno nicho de histórias que exploram conceitos abstratos, matemáticos, mas as melhores histórias, aquelas que carregamos com carinho na memória são sempre ligadas a como os humanos lidam com o elemento novo, ou com símbolos e metáforas que conversam com a gente, com os nossos desafios cotidianos.
Há muito mais que aprendi nestes dois anos à frente da revista. Como é difícil transformar um projeto digital em dinheiro de verdade, por exemplo. Ou como editar uma revista dá muito mais trabalho do que parece. Mas isso não é divertido. Divertido é falar das boas vibrações que a revista me traz, como este último item:
As pessoas ficam realmente felizes quando são aprovadas para a Trasgo.
É legal mandar um e-mail de aprovação, mas mais legal ainda é receber a resposta super contente da autora, às vezes sua primeira publicação! É esse tipo de coisa que mostra o carinho que as pessoas têm pela revista, e renovam as energias para mais uma edição.
Excelente texto, Rodrigo. Peço com continue contando pra nós sobre as suas experiências como editor, que são sempre um prato cheio.
Os traços de humanidade, o paralelo com a vida real é o que conecta o leitor às experiências vividas pela personagem. É, de longe, o elemento que mais me chama a atenção em uma narrativa.
Sobre o estilo literário, descobri que a única maneira para tal, já que é impossível se desvincular totalmente das nossas principais influências, é a prática. Tentativa e erro.
Abraços, meu chapa!
Olá, Lucas!
Obrigado pelo comentário! Estilo é algo difícil de aprender, mas é escrevendo bastante, e principalmente explorando variados estilos que descobrimos como nos sentimos mais confortáveis escrevendo.
Abraço!
Realmente; as pessoas ficam muito felizes quando são aprovadas pela Trasgo!=D
Acabei de conhecer a Trasgo, mas já acho esse projeto incrível!