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A Arte de Pedir – Amanda Palmer

Começo com uma digressão: outro dia li um artigo sobre com absorver mais das suas leituras. Tem a ver com rabiscar os seus livros, fazer anotações e salvar trechos favoritos. Quando peguei “A Arte de Pedir” para ler, achei que esse era um livro para ser anotado. Como comprei o livro digital, salvei os trechos favoritos pela própria ferramenta do Kindle, e cá estou, falando um pouco sobre Amanda Palmer para vocês.

Este é um daqueles livros onde é impossível dissociar conteúdo e autora. A Arte de Pedir, no formato que se apresenta, só poderia ser escrito por Amanda Palmer, e, como diz Jamy Ian Swis no posfácio “Com o risco de afirmar o óbvio, Amanda Palmer é uma pessoa complexa. (…) Quando a mídia lhe pediu para explicar por que seu Kickstarter teve tanto sucesso, estavam esperando ouvir sobre planos empresariais e estratégias para as redes sociais. Mas não é aí que está a resposta.” Não. A resposta está em anos fazendo arte, interagindo com pessoas e compartilhando, tanto presencialmente quanto na internet. Muita internet.

Amanda fala muito sobre o “fazer artístico”, um conceito tão vago quanto importante, não só para artistas, mas para todo mundo que cria, seja balé clássico, seja vídeo de gato na internet. A magia acontece quando esse assunto puxa outros mais cabeludos como a Síndrome do Impostor (chamado no livro de Patrulha da Fraude), autenticidade, conexão e vulnerabilidade.

É o seguinte: todo mundo parte de alguma carência. Queremos que nos vejam, nos entendam, nos aceitem, se conectem com a gente. Todos nós queremos que acreditem na gente. A única coisa é que os artistas costumam ser mais… veementes a respeito disso.

O livro é recheado de passagens e conversas com outras pessoas. Curiosamente uma delas, seu amigo Anthony, tem os melhores e mais filosóficos trechos de todo o livro.

Um camponês está sentado na varanda de casa, à toa. Um amigo aparece para cumprimentá-lo e ouve um som medonho, um ganido agudo e prolongado, vindo de dentro da casa.
— Que som pavoroso é esse? — pergunta o amigo.
— É o meu cachorro — responde o camponês. — Está sentado num prego.
— Mas por que ele não levanta e sai dali? — quer saber o amigo.
O camponês pensa e então diz:
— Ainda não dói o suficiente.

Ou essa:

As pessoas sempre querem alguma coisa de você. Seu tempo. Seu amor. Seu dinheiro. Que você concorde com elas, com as posições políticas e pontos de vista delas. E você nunca consegue dar o que querem. Mas (…) você nunca consegue dar às pessoas o que elas querem. Mas pode lhes dar outra coisa. Pode lhes dar empatia. Pode lhes dar compreensão. E isso é muito, e suficiente.

O livro fala muito de escolhas. Ou melhor, conta como algumas escolhas vêm com seu próprio pacote de neuras e inseguranças. Por exemplo, “Quando você vai crescer, arranjar um emprego de verdade e parar de enrolar?” Isso vindo de alguém que ouviu, de diversas pessoas em variadas palavras a frase VAI TRABALHAR. Quando você não tem um emprego formal, o que é trabalho?

Isso é algo que penso bastante. Eu edito uma revista de contos, escrevo um blog de escrita, faço freelas de redação publicitária, invento projetos. Alguns dão dinheiro, outros dão status. E qual desses é trabalho? Isso importa?

Aceitar dinheiro em nome de um grupo, de uma banda, de um conjunto — alguma entidade maior do que você mesma — é muito diferente de aceitar dinheiro em SEU próprio nome. (…)
[A Patrulha da Fraude diz:] Você não pode pedir isso. Você não merece. Você não é genuína o bastante. (…) Talvez seja aquela mesma velha questão: a gente simplesmente não consegue enxergar o que fazemos como algo de importância suficiente para merecer ajuda e amor. (…) Por um lado, os artistas são aplaudidos pelas obras de arte que inspiram respeito e mudam nossa vida, mas ao mesmo tempo são vistos com desconfiança, desdém e outros sentimentos do tipo VAI TRABALHAR.

E então entra o lance da autenticidade. A partir de que momento você é um artista (ou escritor ou pessoa)… “de verdade”? Ninguém aparece a você com um certificado assinado por alguma autoridade. “É você que bate na própria cabeça com uma varinha que você mesmo fez. E você se sente um idiota ao fazer isso.

É aí que chegamos finalmente na Arte de Pedir, um conceito obrigatório para quem trabalha com novas mídias e modelos de financiamento como crowdfundings, mensalidades, patronos e etc:

O verdadeiro crowdfunding não consiste em confiar na bondade dos desconhecidos; consiste em confiar na bondade do seu povo. Há uma diferença.

Quem consegue pedir sem sentir vergonha se enxerga como alguém que colabora — e não que compete — com o mundo. Pedir ajuda sentindo vergonha significa: Você tem poder sobre mim. Pedir ajuda com condescendência significa: Tenho poder sobre você. Mas pedir ajuda com gratidão significa: Temos o poder de nos ajudar mutuamente.

A possibilidade de criar diretamente as conexões, por nossa própria iniciativa, estava deixando uma coisa muito clara: Nós éramos A Mídia (…) e este é o lance: no mercado, você precisa lidar com gente. Só que, para muitos artistas, gente dá medo. (…) E, quando a gente tem medo do julgamento dos outros, não dá para se conectar com eles. (…) Acho que o verdadeiro risco é a opção de desconectar. De ter medo do outro.

Realmente não há honra nenhuma em provar que você pode carregar sozinho todo o peso nas costas. É algo… solitário. (…) Todo mundo. Por favor. Aceitem as malditas rosquinhas.

Não digo que a leitura foi perfeita. Não sou fã da música da Palmer, nem de seu trabalho como artista. Como isso é integrado a cada linha do livro, que segue um caminho tortuoso, uma colagem de pequenas histórias e causos, por vezes perdia o interesse. E em diversos trechos havia algo que me incomodava em sua personalidade, que eu não conseguia colocar em palavras até encontrar este diálogo, onde Neil Gaiman diz a ela: “Você realmente se preocupa muito com o que as pessoas pensam, não é?

Por fim, é um livro que recomendo muito. Se Amanda Palmer é uma mina de emoções brutas, há muito o que garimpar e lapidar das várias histórias contadas com uma honestidade surpreendente. Encerro com uma pequena metáfora poderosa, que coloca palavras bonitas um princípio que sempre acreditei, de que “leva anos para produzir um sucesso instantâneo”.

Desde sempre, na China, os plantadores de bambu enterram mudas pequenas de bambu bem fundo no chão. E aí, durante três anos, não acontece nada. Mas os plantadores trabalham com dedicação, regando a muda, espalhando feno e esterco, esperando com paciência, mesmo que nada esteja brotando. Eles simplesmente têm fé. E aí, um dia, o bambu vai brotar e crescer dez metros num mês. Vai disparar em direção ao céu. Toda pequena comunidade sustentável de artistas e fãs funciona assim.

PS: Lucien, do CabulosoCast comentou que uma das coisas incríveis de A Arte de Pedir é ver Neil Gaiman como Uma Pessoa De Verdade. De fato, fascinante!

Frase do dia: It’s hard to work on an assembly line of broken hearts. Not supposed to fix them, only strip and sell the parts. [É dureza trabalhar numa linha de produção de corações despedaçados. Não é pra consertá-los, só tirar as peças e vender aos bocados. ]

Publicado em Leituras no dia 29 de março de 2016

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