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Da Antiga Arte de Ler e Acompanhar Blogs

Eras atrás, quando o jornal ainda se referia à Internet como “A Rede Mundial de Computadores”, havia blogs. Dinossauros de layout quadrado, opiniões, links e referências. Naquela época, descobrir algo era mais difícil. Sim, havia mecanismos de pesquisa, sites dedicados a apontar outras referências na internet sobre o mesmo tema (quem não lembra dos “rings” de sites?) e a ideia de “portal” ainda fazia algum sentido.

Uma das mecânicas mais joias para descobrir algo eram os links. Você escrevia algo, linkava o blog de alguém, volta e meia postava sobre os artigos mais interessantes que você leu por aí, e assim uma pequena rede se formava. Às vezes você ganhava um link de volta, às vezes não. Os blogs mais interessantes, cujos autores traziam um ponto de vista único, ou cujos editores tinham um talento especial para pinçar os melhores conteúdos por aí, cresceram e hoje encabeçam grandes agências de conteúdo, publicidade e marketing.

Mas este não é um artigo saudosista. Quero falar é da parte em que o meteoro chega no horizonte, a princípio como um bem vindo calor: redes sociais.

As redes surgiram como uma ideia bacaninha: vamos encontrar os amigos velhos, fazer novos, trocar experiências e links, enfim, dividir as preciosidades cuidadosamente catalogadas na pasta “Favoritos” do navegador.

Mas aí um meteoro era maior que os outros. Esse era azul e cresceu, cresceu, cresceu assustadoramente.

O Facebook (em sua versão mais recente, de uns anos para cá) tem uma coisa diferente das outras redes: ele não gosta de links. Afinal, se alguém clicar em um artigo, irá para uma Página da Web Fora do Facebook, oh, terra de ninguém, que terrível! Então pouco a pouco (porque é preciso aquecer lentamente a água com o sapo dentro) foi fazendo alterações para que ninguém precisasse sair do Facebook. Primeiro, mostrar menos links para as pessoas, depois criar portais de conteúdo para que você deixasse seus textinhos e fotos ali mesmo, para quê você precisa ir lá fora, naquela selva de servidores? Não, fique aqui dentro, é quentinho, toma um chocolate quente com joinhas para você.

“Ei, mas o Facebook me permite encontrar vários artigos legais que eu não encontraria de outro modo”, você diz. Sim, eu concordo e admito que grande parte do conteúdo que consumo vem de recomendações feitas nos tubos azuis.

MAS.

Imagine que você mora em um mundo onde não há redes de televisão. Há vídeos, que circulam entre as pessoas em fitas cassete. Um belo dia um amigo aparece com esse vídeo ótimo, uma ficção científica sobre uma cidade dividida entre ricos e pobres em níveis diferentes, até a grande revolta do proletariado. Vamos chamar essa fita cassete de Metrópolis. Você acha incrível e faz uma cópia para seus amigos. E assim os vídeos circulam nessa biblioteca esquisofrênica.

Um belo dia aparece uma invenção incrível: o Canal de Televisão. Uau! Você não precisa mais ficar levando as fitas cassetes de bicicleta para lá e para cá, é só avisar seus amigos que hoje à noite vai passar Metrópolis no tal Canal de Televisão. Naturalmente, o Canal de Televisão cresce em importância, e logo todo tipo de programação é inventada, como o Jornal e a Novela.

O Canal de Televisão é importante à população. Então os ricos e importantes se aproximam de seus donos, ajudando-o a crescer. Tudo ótimo por um tempo. Até que um dia alguém decide que esse filme aí, Metrópolis, não é muito interessante passar no Canal de Televisão. Sabe, a população pode ter ideias erradas, melhor deixar para lá.

Você sabe onde eu quero chegar. Em pouco tempo, a única fonte de vídeos é o Canal de Televisão, que, ao decidir o que a população assiste ou não, ajusta a direção da opinião pública para lá e para cá. (Você acabou de ter uma aulinha da história da mídia no Brasil. Mas vamos adiante.)

A mesma coisa acontece com o Facebook. Hoje brincamos com palavras crípticas como “algoritmos” que determinam o que você vai ver ou não nos tubos azuis. São softwares, mas softwares são programados por humanos com interesses específicos. Quais são esses interesses? Manter você mais tempo olhando símbolos azuis? Fazer você consumir mais anúncios? Ajudar o camadarada que paga pelos servidores?

“Ih, já sei. Apocalíptico”, você diz.

Chimamanda Adichie é uma escritora nigeriana que cresceu em uma família de classe média:

Então nós tínhamos, como era normal, empregada doméstica, que frequentemente vinha das aldeias rurais próximas. (…) A única coisa que minha mãe nos disse sobre ele foi que sua família era muito pobre. Minha mãe enviava inhames, arroz e nossas roupas usadas para sua família.

Então, um sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles.

Trecho de sua palestra chamada “O Perigo de uma única história”, que você pode assistir gratuitamente em https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br

O risco de abandonarmos a pluralidade de veículos em busca da comodidade oferecida por um canal único é real. Aqui é quentinho, tem chocolate com joinhas.

Existe um segundo risco no monopólio da informação:

O fim da oportunidade

Enquanto a Internet era o velho oeste em plena expansão, qualquer zé mané com uma pá e um bom texto poderia alcançar fama e reconhecimento. Hoje está muito mais difícil chegar aos quinze minutos de fama, é tanto conteúdo (mais do que é humanamente possível consumir), que a figura dos gatekeepers se tornou importantíssima.

Gatekeeper é uma figura da teoria da informação, aquele que decide o que será apresentado ou não, assim como o seu enquadramento. Tradicionalmente, jornais são tidos como gatekeepers. Hoje, além das figuras dos hubs sociais (celebridades, webcelebridades e afins) que ganharam importância, Temos os tais algoritmos que escolhem o que “é mais interessante a você”.

Ou seja, não adianta criar o melhor conteúdo do mundo (seja vídeo, texto ou o que for), se você não conseguir acesso aos gatekeepers. Uma consequência natural a longo prazo é um aumento do degrau — quem tem acesso (a dinheiro, pessoas, cultura, educação, etc) ganha importância, quem não tem fica mais distante.

O meteoro está vindo! Estamos todos ferrados!

PALMA PALMA PALMA NÃO CRIEMOS CÂNICO!

A palestra de Adichie contém a chave de tudo. Não podemos ceder ao conforto da história única. Não há nada de errado em explorar os tubos azuis, desde que você também dê uma espiadinha nos tubos vermelhos (petralha!), nos rosados (gay!), nos amarelos (…reaça?). Quanto mais fonte, mais diversidade, menos certezas.

Se fosse para deixar uma única recomendação final, eu diria use protetor solar. Não, péra, é outra coisa:

Leia blogs. Como este aqui. Bons blogs são um argumento, uma linha de pensamento que evolui como um bom vinho. Alguns são úteis, outros divertidos, alguns são pequenas janelas para a alma de seus autores. E práticos: você pode assinar vários blogs e receber os posts todos no mesmo lugar.

Ouça podcasts. Podcasts são práticos, dá para ouvir no trânsito, lavando a louça, arrumando a casa, ou enquanto toma café da manhã. Há vários aplicativos para baixá-los diretamente no seu celular, meu favorito é o BeyoundPod.

Assine newsletters. Parece haver um renascimento das newsletters, que parecem cumprir o mesmo papel dos blogs de antigamente: curadoria de conteúdo. A vantagem é a facilidade de assiná-las. Escrevo uma newsletter quinzenal onde entrego vários links bacanas sobre trabalho criativo, escrita e assuntos paralelos. Assine aqui!

Enfim. Não seja um receptor passivo de informação. Siga seus autores no Medium, assine o canal dos seus Youtubers queridos, vá atrás, assine, acompanhe. Tudo bem aproveitar um chocolate quente com joinhas de vez em quando, mas não deixe que esse seja a sua única dieta de informação.

Porque todo mundo sabe como terminaria a história de João e Maria se eles tivessem aceitado todos os doces da bruxa.

Frase do dia: Friozinho. Chocolate quente. Hummm!

Foto: NatriumChlorine via Compfight cc

Publicado em Pensamentos no dia 15 de junho de 2016

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2 Comments

  1. Nunca tinha dado uma chance pro Feedly, por ser um daqueles idiotas que se prendem a algo que morreu (Google Reader), mas comecei a usar faz 15 minutos e estou me apaixonando de novo 😀

  2. muito bom, gostei, nadar contra a corrente do rio é complicado, mas vale a pena,

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