Dois recados rápidos: Começarei a trazer alguns textos meus de outros espaços, que aqui encontrarão um público mais adequado. Também escrevi um longo texto, que tem muito a ver com escrita, mas não cabe aqui. Chama-se Encontro Irradiativo – Impressões de um homem branco cis hétero. Leia lá! Agora, ao conteúdo de hoje.
O que motos têm a ver com literatura? Eu explico. Estava pensando em uma lista de coisas que eu queria que alguém tivesse me contado quando comprei minha primeira motoca. E nessa de listas, comecei a pensar no que eu queria saber quando comecei a escrever. E não é que as duas listas se tornaram praticamente iguais? Olha só:
1. Arrume um bom mecânico. E confie nele.
Motos quebram. Textos também. E existe muita divergência sobre manutenção de motores. Uns dirão para seguir o manual ipsis litteris, outros com mais experiência podem sugerir ajustes mais adequados para o seu perfil. Leve o mesmo problema para três mecânicos diferentes, e talvez você tenha três respostas.
O mesmo vale para textos. Existem duzentas maneiras de arrumar um texto com problemas. Cada uma levará o projeto para um caminho. Se alguns defeitos maiores obterão sugestões parecidas, itens mais específicos receberão indicações bastante diversas.
Um bom mecânico/editor é difícil de encontrar. Mas quando achar algum com quem você possa bater um papo e se identificar, confie nele.
2. Fóruns são ótimos para descobrir coisas novas. E também lugares cheios de desinformação.
Explorar fóruns e grupos pode ser muito divertido. Você encontra acessórios, discussões sobre os problemas mais comuns e soluções criativas para todo tipo de coisa, seja um porta-trecos disfarçado de escapamento, seja um novo autor despontando com um cenário fantástico urbano.
Mas é preciso manter uma saudável desconfiança. Fóruns são lugares cheios de achismos, de gente (até com boas intenções) que dará instruções erradas, que dirá que mecânicos só querem te enganar, que divulgará oportunidades incríveis por um custo baixíssimo (alerta de furada!). E nem pergunte sobre discussões sobre diversidade de gênero em fóruns de literatura e de motociclismo, que nessa questão o negócio vai mal…
PS: Mulheres + Motos = <3
3. Saber como funcionam as coisas debaixo da carenagem vai te deixar mais seguro para ir mais longe.
Você não precisa entender de mecânica ou de estrutura narrativa, mas quanto mais você sabe, mais longe é capaz de ir. Desde o básico como lubrificação da corrente e reparos rápidos até jornada do herói e construção de personagens, tudo isso vai te dar um arsenal para conquistar muitos quilômetros escritos. Assim você aprende a exigir menos do motor e da sua cachola, enquanto desbrava novos cenários, seja no mundo real, seja onde você quiser. Leia, converse, estude, faça cursos.
4. Não é pelo dinheiro. Aliás, você provavelmente vai gastá-lo de qualquer modo.
Quanto mais envolvido com a literatura, mais livros você quer comprar. Mais cursos, passagens para a Bienal, entrada para eventos e outros itens que dão asas ao seu querido dinheirinho.
Em relação à moto, já disse para a esposa que só paro quando ela virar uma árvore de natal cheia de penduricalhos. É pedaleira, protetor de mão, banco custom, alforges e toda a sorte de coisinhas. “É para aumentar a segurança”, você diz para si mesmo, como quem diz “é material de referência para meu próximo romance.” Aham.
Mas quer saber? Não me arrependo de nenhum centavo gasto em livro/curso/acessório.
5. A jornada é tão importante quanto chegar a algum lugar.
“You have to finish things” [Você precisa terminar as coisas], diz Neil Gaiman. Sempre repito isso para quem escreve. Conheço gente que tem vários pedaços de obras, mas nunca conclui nada. É preciso colocar um ponto final, aprender com aquilo e ir para a próxima. A graça de se chegar a algum lugar é olhar o caminho percorrido com orgulho, poder contar dos perrengues com a alegria de ter realizado.
Mas se você focar tanto no resultado, a jornada será desgastante. Tem gente que quer mais “ser autor”, “ter publicado um livro”, do que de fato escrevê-lo. Não adianta atravessar o Atacama se você não parar um momentinho para apreciar a paisagem. Escrever é um processo cansativo, então aproveite para rir das suas próprias piadas, inserir suas referências favoritas. Quer espirrar sangue na cara do leitor? Vá em frente. Quer desviar do caminho pavimentado por uma estradinha de terra sem vergonha? Pisa fundo e aproveite.
No fim, a jornada é sua.
Já me perguntaram o que está em alta para publicar. Existe sim questões editoriais em relação a temas, estilos e narrativas, assim como existem rotas mais bem marcadas com pontos de parada bem sinalizados no caminho. Mas no fundo, uma boa obra é aquela cheia de vida, de pensamentos e inseguranças do autor, pilotados por este personagem ou aquele.
A boa viagem não diz respeito só à rota e ao destino, mas à companhia, às pessoas que você conhece no caminho e situações que vive. Na literatura ou sobre duas rodas, o lance é fazer as pazes com os próprios pensamentos. Boa jornada! Você vai se apaixonar pelo vento e pela sensação de liberdade!
[…] [Atualização: Este post foi movido para meu outro blog, Viver da Escrita: Arrume um bom mecânico – e outros conselhos para escritores […]