Um dos maiores desafios para os dias vindouros será encontrar sentido no que estamos fazendo. A menos que você trabalhe na área da saúde ou produção de alimentos, há uma grande chance de você se pegar perguntando por quê. Por que escrever em um blog na internet? Por que desenvolver aplicativos para aumentar as visitas de um ecommerce milionário? Por que terminar aquele romance?
São perguntas que refletem a incerteza dos meses vindouros, ou a certeza de que “o futuro não é mais como era antigamente”, como diz a canção.
Eu poderia dizer que a busca por essa resposta é a que sempre me motivou de carreira em carreira, mas não é assim para todo mundo? Aqui vou contar um pouco dessa jornada, e espero, talvez ajudar você na sua própria busca de sentido. Se preferir, você pode pular o próximo bloco e ir direto para as dicas mais abaixo.
Minha busca por sentido
Talvez você não saiba, mas a Trasgo surgiu de um momento de muita frustração, quando eu não via sentido no que fazia da vida. Nessa época, eu trabalhava em uma grande empresa, e por motivos que não cabem aqui, não conseguia executar nada do que planejava, patinando sem sentido. E, apesar de escrever fantasia e ficção científica desde muito novo, estava completamente desvinculado do mercado literário, escrevendo muito pouco, publicando menos ainda. Eu precisava de algo sobre o qual pudesse ter algum controle sobre o produto final. Semelhante àquela sensação do “fazer com as mãos”, só que virtual.
Nessa mesma época, meu casamento estava indo pelo ralo. Frustrado com minha própria vida, eu não conseguia dar o apoio necessário à esposa, que tinha seus próprios dilemas, e nossas perspectivas de futuro se chocavam. Foi uma época que fomos ambos para terapia, o que ajudou demais.
Talvez a terapia tenha funcionado tão bem para mim por ter me devolvido um senso de agência, ou seja, enxergar minha parcela de responsabilidade naquele caminho que eu trilhava para mim, e também me deu mecanismos para criar outros presentes e outros futuros.
Traduzindo para tempos atuais, seria entender que o mundo colocou você de quarentena, mas o que você faz dessa experiência ainda está, em parte, dentro do seu próprio controle.
Também fui buscar na religião uma resposta, um sentido, e me enveredei pelo espiritismo. Passei a assistir preleções, fiz um curso para entender melhor, me envolvi com o centro mais próximo de casa. Tenho minhas críticas ao espiritismo, e não acredito que exista religião sem contradições. Mas ao menos nessa eu vejo um incentivo ao pensamento científico, a buscar respostas próprias e questionar dogmas.
Do espiritismo acabei tirando duas supercrenças*: a de que nossa vida é apenas uma de muitas da jornada da alma; e de que, a cada vez que reencarnamos, estamos aqui para aprendermos a ser pessoas melhores, para viver experiências que nos tornarão melhores.
(*Supercrença é um conceito aplicado a crenças que definem a noção de realidade, portanto impossíveis de derrubar ou comprovar. São exemplos a existência de Deus (e seu caráter), acreditar que vivemos em uma simulação, a existência de múltiplas vidas, entre outras.)
O problema é que a busca por sentido não tem destino final, é a própria jornada da existência humana.
Então vieram as crianças, e, caramba, como as coisas mudam. Não existe aquela história do mundo ganhar sentido magicamente, da sua vida virar uma sequência de frases bonitas para colocar no Instagram. Há momentos em que você sente uma diretriz visceral, biológica, de cuidar da cria, um sentimento repentino , no qual “parece que você tem tanto a perder”. E há momentos em que as crianças não te deixam fazer absolutamente nada, e você se encontra vazio, odiando a sua vida com toda a força do mundo.
Tudo isso para dizer que o sentido das coisas não vem de fora. Não vem de uma jornada de dois meses caminhando a pé no deserto do Atacama. Não vem de um artigo qualquer da internet, como este. Ainda que momentos e períodos de solitude ajudem sim a nos recentrarmos em nós mesmos, e redescobrir quem somos, esse momento pode estar em uma hora de silêncio, com uma xícara de chá, quando a casa dorme.
Acredito que um sentido “etéreo” para a vida, não calcado na realidade, é tão útil quanto papel higiênico molhado, para ficar numa metáfora para os dias atuais. Em vez disso, há o sentido do cotidiano, da repetição, de trabalhar a cada dia, um passo de cada vez.
Esse é um dos motivos pelo qual o capitalismo atual é tão perverso, por roubar de tanta gente esse tão precioso dia a dia que dá sentido à vida. Se o objetivo da minha vida é aprender a ser uma pessoa melhor, eu não preciso fazer um curso de iluminação no Tibet, eu tenho que tentar gritar menos com meus filhos.
Se ser bom é deixar o mundo melhor do que o encontrei, eu não preciso acabar com a fome no mundo, eu posso, por exemplo, mostrar outros mundos possíveis, ou ajudar alguém a sonhar. Posso, produzindo qualquer tipo de entretenimento, colocar um sorriso no rosto de alguém passando por um momento de dificuldade, ou oferecer um breve abrigo para uma mente sobrecarregada com a realidade. Ou entregar um maço de cheiro-verde da minha horta para alguém cozinhar.
Em momentos de grande caos, busquemos sentido nas pequenas coisas.
Como lidar com o incerto
O incerto é insuportável. Já percebeu sua angústia nos dias que antecedem uma grande resposta? Os segundos de agonia depois de se declarar à pessoa amada? São piores que uma resposta negativa, ao menos algo palpável com o que lidarmos.
Em tempos assim, vamos buscar as pequenas certezas. Controlar o que está ao nosso alcance: organizar uma rotina para o dia, fazer um cardápio e uma lista de mercado que você sabe que dura uma semana inteira. Um dia de cada vez. Quem sabe não aprendamos a viver um pouco mais no presente?
Se tem algo que ajuda a me reorientar é a conexão com as pessoas. Em momentos de profunda angústia eu pego o telefone e ligo para um amigo, uma amiga. Fiz isso nos três piores dias da minha vida. Uma hora de conversa de peito aberto em cada uma dessas vezes foi o que me trouxe de volta à superfície. Não tá bem? Pega o telefone, sem se preocupar com o que o seu amigo vai pensar. Vai na fé. Vai fazer bem.
(O telefone tem uma vantagem nesses tempos que é exigir dedicação total. A pessoa não vai conseguir usar o celular para ver o Facebook enquanto conversa com você.)
Busque alento no que você acredita. Minhas crenças espirituais me ajudam a baixar o volume da ansiedade. É uma vida de várias. Você está aqui para aprender a ser melhor. Respira fundo e pensa o que você consegue aprender com isso tudo. Você acredita em algo além? Dá um jeito de se lembrar disso.
Mas eu também encontro muito alento na literatura, e na ficção de modo geral. Comentava lá no Twitter sobre Hopepunk, subgênero da ficção científica onde prevalece a conexão humana, o amor, o companheirismo em meio ao caos. Coisas terríveis acontecem, mas o espírito humano prevalece. Também ajuda conhecer FC clássica, e ver que o mundo é diferente das distopias previstas. A ficção ajuda a enxergar que o Sol sempre nasce depois da tempestade.
Cuidado com o consumo de informação. Claro, temos que estar informados sobre como agir, sobre as últimas recomendações. Mas, talvez na desculpa de se informar e manter a conexão, estejamos ligados demais à ansiedade coletiva, sentimento contraprodutivo. Desligue o celular um pouco, duas horinhas não vai fazer mal. Deixe em outro cômodo. Você precisa de um tempo de silêncio para que sua mente processe isso tudo o que está acontecendo. Estamos sobrecarregados. E está tudo bem. Você merece uma horinha para sentir, chorar, viver o luto da perda da normalidade.
Uma das formas de desconectar é tentar dedicar-se a algo diferente, que você queira fazer. Um hobby, uma série de TV, escrever aquele conto que você vai mandar para a Trasgo, inventar jogos estúpidos com o cônjuge, deitar no sofá com uma taça de vinho, ou suco de uva, ou chá, buscando histórias antigas, por algum motivo ainda não contadas.
Se você tem filhos, a angústia pode ser amplificada. Você tem ali um lembrete de que o suas crianças viverão uma infância diferente. O que vai ser do mundo para esses pequenos? Como protegê-los? Ou prepará-los?
Para piorar, quando adultos “descarregam” angústias do mundo adulto sobre as crianças, correm o risco de atrapalhar o desenvolvimento emocional saudável, quando os pequenos se tornam responsáveis pelo bem-estar emocional dos pais (invertendo a relação pai-filho). (Mais sobre isso aqui.)
Por isso, se você tem filhos, a desconexão do mundo e conexão com os filhos é imprescindível. Respire fundo, chore se tiver que chorar, recomponha-se e esteja presente para brincar, acalentar. Em tempos difíceis, eles precisam saber que podem se apoiar emocionalmente em você, e não o contrário.
E lembre-se que o futuro deles nunca teria sido igual àquele que você previu com base na sua infância. Não é assim que o mundo funciona. Eles vivem no presente, estão aprendendo, e quando chegar a vez deles, eles terão as ferramentas para viver seja lá o que for. Vale as regras de sempre: atividade física, brincadeira, despertar a curiosidade, a criatividade, sem demandas mirabolantes.
Você não precisa ser um pai ou mãe perfeita (E nem professores perfeitos, e nem cozinheiros perfeitos). Como disse o Chuck Wendig no artigo “It’s Okay That You’re Not Okay“, não é época de perfeição Pinterest, mire em B-, C+, talvez.
E se posso trazer mais uma lição do espiritismo também para os filhos, “eles sabiam exatamente onde estavam se enfiando”, não lhe cabe roubar deles a oportunidade de aprender.
Serão tempos difíceis. O que nos cabe é entender que saberemos lidar com tudo isso. Fiquem bem.