Em um domingo, não muito depois dessa ligação, recebi outra de Bill Thompson, da Doubleday. Eu estava sozinho no apartamento; Tabby tinha ido com nossos filhos visitar a mãe, e fiquei trabalhando no novo livro, que pensava em chamar de Vampires in Our Town [Vampiros em nossa cidade].
— Você está sentado? — perguntou Bill.
— Não. — O telefone ficava na parede da cozinha, eu estava de pé na soleira da porta entre a cozinha e a sala. — Preciso me sentar?
— É melhor. Os direitos da edição brochura de Carrie foram vendidos para a Signet Books por 400 mil dólares.
Quando eu era criança, vovô disse à minha mãe: “Por que você não faz essa criança calar a boca, Ruth? Quando Stephen abre a boca, bota tudo para fora”. Era verdade então, e continuou sendo verdade por toda a minha vida, mas naquele Dia das Mães, em maio de 1973, eu fiquei absolutamente sem palavras. Fiquei ali na soleira, como fazia sempre, mas são consegui falar. Bill perguntou, meio rindo, se eu ainda estava ali. Ele sabia que sim.
É assim que Stephen King narra um dos momentos mais importantes de sua carreira, quando vendeu pela primeira vez um livro por uma grande soma. O livro “Sobre a Escrita“, que chegou ao Brasil pela Suma de Letras com tradução de Michel Teixeira, é recheado de passagens como essa, onde a vida e a carreira do autor se mesclam em sua habilidade narrativa.
Parte livro de memórias, parte manual de redação, é delicioso de ler, mesmo com seus três prefácios e outros três posfácios, penduricalhos que fazem todo o sentido no contexto um pouco caótico da vida de King.
O capítulo que o autor nomeia “Caixa de Ferramentas” é o mais didádico, onde explica o beabá da escrita, apresenta alguns exemplos e tenta não cair muito em fórmulas, apesar de mais de uma vez dar a entender que existe um jeito certo de escrever. Mas tem coisa boa, principalmente para o autor nacional iniciante, que comete vários dos erros apresentados ali (em geral, excesso de prosa, enfeites e pouca história).
Há um detalhe interessante nessa parte. É uma frase chavão, mas sempre vale a pena repetir. “A menos que tenha certeza de estar fazendo direito, é provável que [o escritor] se saia melhor quando segue as regras.” Para aprender a desconstruir primeiro é preciso aprender a construir. Pular essa etapa muitas vezes gera prosa vazia, ou besta.
Em “Sobre a Escrita” maior trecho do livro, há um bom conteúdo. Um tanto motivacional, mas motivação para a escrita nunca é demais. Escritores são animais difíceis.
Para King, existem escritores ruins. Muitos deles. E existem alguns poucos gênios no topo da pirâmide. O resto é competente, em diversos níveis. Logo depois afirma que “embora seja impossível transformar um escritor ruim em competente, e embora seja impossível transformar um escritor bom em um incrível, é sim possível, com muito trabalho duro, dedicação e conselhos oportunos, transformar um escritor meramente compentente em um bom escritor.”
Apesar desse início um pouco duro, o restante do (longo) capítulo é mais generoso, com dicas simples, mas desenvolvidas em exemplos e mais histórias pessoais.
Em suma:
Apesar de um tanto rígido em algumas regras (faça isso, não faça aquilo), Sobre a Escrita é um livro delicioso e com ótimas dicas, onde a escrita, a vida e os pensamentos de Stephen King vão montando um panorama bastante rico de como pensa, vive e escreve um dos mais prolíficos escritores contemporâneos.
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